Sunday, October 26, 2008

Lya Luft - As bolsas e as vidas

De vez em quando eu faço um post um pouco mais sério, e hoje é dia de um deles.

Acabo de ler este texto da Lya Luft publicado na revista VEJA desta semana, e achei que era algo que valia a pena todos lerem e pensarem um poco a respeito.


Boa leitura!

As bolsas e as vidas



Ilustração Atômica Studio


"Eu me pergunto com que artifício psicológicoconseguimos sobreviver diariamente, dormir,sonhar, enquanto milhões morrem por lhes faltar o mínimo, o mais essencial e simples"


Para mim, bilhões e trilhões serviam para contar estrelas. De repente, essas cifras saem da TV ou do computador, para cair no meu colo: quase achei que o mundo ia se acabar, que a derrocada estava se instalando. Foi então que governos, bancos centrais e demais instituições financeiras começaram a soltar dinheiro. Dilúvio de grana entrando pelos bolsos que a tragédia das bolsas, alimentada por incompetência, arrogância, ganância e, dizem, medo, tinha esvaziado.

Bilhões, trilhões escorrem por aí, fazendo mais uma vez bancos e semelhantes estufarem bolsos e peitos. Voltou a confiança, o mundo talvez esteja salvo, nós estamos salvos. No momento em que escrevo, começa algum alívio, gente otimista fala até em euforia. Voltou a confiança, dizem, o que faltava era confiança. Os mais realistas mencionam o efeito do abalo não mais na área financeira, mas na nossa vida. Leio que a previsão para os próximos anos é de mais 20 milhões de desempregados no mundo.

De repente, espantada, em vez de alegrinha, lembrei-me de que essa mesma falsíssima generosidade socorrista poderia estar salvando da morte pela fome milhões, quem sabe bilhões, de seres humanos. Por que a ninguém ocorreu inundá-los com essas torrentes de dinheiro, para que não morressem miseravelmente de fome e abandono, diante dos nossos olhos, exibidos por jornal, internet e televisão?

Mas não foi para esse detalhe aborrecido (quem quer ainda contemplar aqueles corpos esqueléticos, os olhos imensos e desesperados, dos famintos deste mundo chato?) que se usou a inimaginável riqueza que salvaria bancos, banqueiros e empresas. Não muito longe, mas aqui mesmo, em nosso planeta, seria preciso talvez bem menos riqueza do que essa que agora se derrama, para que milhões de pessoas deixassem de morrer de fome, tivessem casa, roupa e saúde. Ninguém faz o suficiente, explodem os presidentes de organizações humanitárias, avisam os jornalistas que por lá se aventuram, reclamam os médicos compassivos e pessoas que não podem tapar olhos e ouvidos para tão desmedida calamidade.

Eu me pergunto com que artifício psicológico conseguimos sobreviver diariamente, dormir, sonhar, transar, comprar, conversar, negociar, tendo essa riqueza toda armazenada, enquanto milhões morrem por lhes faltar o mínimo, o mais essencial e simples. Crianças esqueléticas cobertas de moscas, que, com o olhar vidrado, ainda respiram, enquanto bilhões circulam, trilhões, em bolsos e bolsas privilegiados. Mas nós continuamos vivendo. Achamos que não temos nada com isso – o que é que eu posso fazer, afinal? São vidas humanas, é verdade, mas... E quando foram bolsas, bancos, valores não morais, todos os responsáveis se agitaram, sacudiram os ossos ou as banhas e, assustados, soltaram dinheiro.

Ainda se fala em "volatilidade", mas reina uma certa alegria porque as bolsas sobem, os bancos se salvam, tudo está quase resolvido, ainda mais por aqui, onde não haverá mais do que umas ondinhas bestas. Verdade que milhões continuam morrendo, agora mesmo. Não pela peste negra, não pela bomba atômica, mas porque lhes falta pão, remédio, interesse. Parecem uns bichos incômodos, não cavalos de raça, não cachorros de madame, não touros reprodutores: suas imagens chateiam como as dos cavalos de carrocinha nas regiões urbanas, surrados até a exaustão, ou as dos meninos magricelas que nos importunam na esquina. A gente desvia o olhar, mas agora sabemos que o dinheiro existe, tanto que nós, pobres mortais, nem conseguimos avaliar. Estava guardadinho, e agora escorre para os bolsos que vão de novo agilizar as bolsas, enquanto as vidas continuam se consumindo, milhões e milhões, aqui mesmo neste mundo globalizado.

Monday, October 20, 2008

Xmas present

Há! Querem me dar um presente de Natal (recado pra minha família que no fim do ano com certeza vai estar se escabelando pra fazer as listas de sugestões de presentes pro Amigo Secreto :P)? Este DVD!!!




Essa versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo é uma viagem no tempo de volta à minha infância. Tempo em que eu tinha a minha prórpia versão da vovó Dona Benta em casa, porco Rabicó no chiqueiro, Vaca Mocha na cocheira e, juro, uma boneca de pano chamada Emília (só que a minha era preta, feita de meia, pela minha outra avó... :)

Como diz a música, "Queeeeee tempo bom / Que não vooooolta nunca maissssss..."

Bom, pelo menos com o DVD volta um pouquinho. ;)

PS: Bom, se eu não ganhar, vou acabar comprando com certeza. E tenho dito!

Thursday, October 16, 2008

Mythologies

Conheci uma pessoa muito interessante no MySpace esta semana, e uma coisa que ele me contou a respeito dele mesmo me lembrou de um interesse que eu sempre tive: mitologia.

Nunca foi um interesse tipo PAIXÃO, daqueles sistemáticos, que a gente fica correndo atrás, pesquisando enlouquecidamente, mas daqueles que sempre que caía alguma coisa na mão, eu lia sobre. Não importava muito mitologia de ONDE: gregos, romanos, egícios, incas, maias, astecas, indianos, indígenas ou, mais recentemente, celtas, eu lia - e leio.

Os deuses e deusas dessas culturas, os arquétipos que eles(as) representam, a simbologia por trás de cada um(a), a história de suas vidas, sempre me fascinaram e, claro, dentro de cada mitologia sempre tive minhas preferências...

Por exemplo, na mitologia grega, apesar de eu ser assumidamente romântica, nunca fui muito fã da Afrodite (ou Vênus, pros romanos). Achava muito "bobinha". Eu gostava mesmo era da Diana (Ártemis, idem): caçadora, geniosa (transformou em um cervo um caçador que a viu nua durante o banho). Era ela ou a Athena (deusa da ordem, da justiça, da sabedoria, das artes e da estratégia). Acho que escolhi as duas porque tinham mais a ver com o meu jeito de ser e com meus interesses.

Dos egípcios, eu sempre fui apaixonada pela Ísis, ainda mais depois que passou um seriado na TV onde a heroína colocava um colar com um medalhão que ela tinha encontrado numa escavação no Egito e se tranformava na própria deusa, com poderes sobre a natureza e tudo. A história dessa deusa que depois que o marido Osiris foi assassinado saiu a reunir seus pedaços até juntá-los todos e reanimá-lo e cujas lágrimas faziam o rio Nilo transbordar, me encantou de cara. Já da cultura indiana, minha preferida era/é Kali, que, apesar das associações com destruição e morte, me conquistou por ser considerada por muitos a essência de tudo o que é realidade, bem como a destruidora da maldade.

Acho que o único deus "homem" que lembro de ter me chamado a atenção foi Inti, o deus sol dos Incas. Por quê? Bom, sempre gostei de sol (razão 1) e uma das primeiras fotos que vi de Macchu Picchu (lugar pelo qual sou fascinada desde que tinha uns 7 anos de idade e vi num livro) era do relógio de sol dedicado a ele (razão 2). Além disso, não era um deus "metido", era bonzinho e governava junto com sua esposa, Pachamama (deusa da Terra).

Por fim, em função das minhas pesuisas pro Mestrado e Doutorado, tive de fazer uma incursão pelas mitologias celta e nórdica e daí adicionei mais algumas deusas à minha lista (e sobre as quais talvez-quem sabe-algum dia-em outra oportinidade falarei). Mas a maior coincidência de todas foi que, também por causa do Mestrado, acabei conhecendo outro conceito de "mito", proposto por Roland Barthes.

Pra ele, um mito é uma mensagem, um modo de ver as coisas que é revestido de um uso social, ou seja, uma interpretação que é condicionada pela sociedade e pelas idéias que a sociedade considera como mais convenientes de serem perpetuadas. Por exemplo, se alguém vê uma foto de uma dona-de-casa, pode simplesmente "ler" aquilo como uma foto de uma mulher cuidando de sua casa, mas o mito é que (e pior: DITA que) AQUELE é o papel e a imagem da mulher ideal.

Quando às vezes me perguntam sobre o que é que eu falo nos meus trabalhos, é difícil explicar, mas uma das coisas são esses mitos muitas vezes naturalizados em textos e/ou imagens que eu me proponho a identificar, desmascarar e, se possível, desmistificar, e que muito freqüentemente (demais até pro meu gosto) estão ligados às mulheres.

Bom, depois de toda essa conversa toda, chego enfim (e para felicidade geral da nação) à conclusão deste post: adoro mitos "mitológicos", sou fascinada por eles. Panteões de deuses e deusas e suas histórias me encantam. Agora, não me venham com os mitos do Barthes, repetindo coisas de senso-comum tipo "lugar de mulher é na cozinha" ou "a beleza está em um rosto jovem" porque viro fera feito Diana, ataco com uma sabedoria de Athena, sou incansável feito a Ísis e posso ser implacável e destruidora feito Kali. Mitos, pra mim, podem até ter um pé na realidade (como no caso dos "mitológicos"), mas não podem, jamais, determinar ditatorialmente como as coisas devem ser, ainda mais se isso for contra aquilo em que acredito.

PS: Agradeço ao Leo da banda Zuane de SP pelo inpiração. Valeu, Leo! ;)

Wednesday, October 15, 2008

The Best of It

Após algumas reclamações a respeito da minha ausência por aqui, eis-me de volta... :P

Pra falar a verdade, foi meio por falta de inspiração. Até pensei em escrever sobre um episódio ocorrido com um torcedor do Inter e os jogadores (que foram de um senso de humor incrível e se divertiram a valer, assim como o torcedor), mas daí os meus mais assíduos leitor e leitora - ambos gremistas... :P - iam me encher de ossos por fazer dois posts seguidos sobre o Colorado, então desisti.

Hoje, porém, lendo o blog de uma amiga from MySpace (por sinal, vale a pena conhecer o trabalho dela, a Jarah Jane, em especial Underwater Ballons, produzida por outro amigo meu) e sem conseguir tirar uma outra música da cabeça - siiiiiiiiiiiiiim, Carem, adivinha DE QUEM? ;) - surgiu uma idéia.

O post da Jarah era sobre aceitar-se a si mesmo/a e ela contava ali a história dela. Ela teve que se mudar ainda criança dos EUA pro Canadá e enfrentou uma série de problemas de adaptação, já que, além de uma professora que era uma verdadeira megera de filme de terror, a criançada da escola não aceitava a nova colega americana, alta, magricela e que não sabia uma palavra de francês. Obviamente ela acabou superando esses problemas, mas segundo ela isso deixou cicatrizes, nesse caso o fato de que ela sempre está em busca da aceitação das outras pessoas, sempre fazendo tudo para que gostem dela. Ela confessa que recentemente ela conseguiu enfim realmente se sentir segura de si mesma e isso teve reflexos - ótimos - na carreira dela. Bom, falo tudo isso pra dizer que, além de ter a inspiração pro post de hoje, lendo o que ela escreveu me vi refletida em diversos episódios, com algumas variações. Já explico.

Eu cresci nas Três Vendas, pra ser mais exata nas Terras Altas, que é o fim das Três Vendas. Sabe a entrada do Aeroporto? Passa. Sabe a entrada do Pestano? Passa. Sabe o Quinze de Julho? Vai adiante. Sabe o Exército de Salvação? É passando um pouco mais. Eu morava no casarão que é hoje a sede daquela empresa de ônibus, a Transpessoal (o casarão ainda é da minha família, está alugado e, infelizmente, destruído por eles...). Na época, a Fernando Osório tinha uma pista só (a que vai pra POA), então a casa ficava longe da estrada, era como morar numa fazenda. A gente tinha vaca, porco, cachorro(s), galinha, cavalo, e eu cresci no meio deles e subindo em árvore. Era a típica caipirinha (a PESSOA, não a bebida, seus bebuns!:D )

Quando fui, então, estudar no Assis Brasil na 3ª série (até então eu tinha estudado num colégio pequeno, particular, o Recanto Infantil) eu era a "jeca" da turma. Eu não era fashionable como as minhas colegas, não tinha a experiência de viver na cidade (eu mal sabia andar pelas ruas sozinha!) e era de uma ingenuidade total. Não demorou muito e eu era o motivo de deboche da turma, não "na cara" (pelo menos eles/as tinham um pouco mais de respeito que a gurizada de hoje em dia), mas eu via as risadinhas, os cochichos meio que me apontando e, apesar da minha ingenuidade, conseguia captar a malícia e o sarcasmo de algumas coisas que diziam pra mim. Sabe aquela turminha que sempre é a que todo mundo quer andar junto? Pois é, eu queria andar com aquelas gurias, mas elas sempre davam um jeito de me escantear, de me esnobar: eu não me adeuqava ao padrão, eu "não servia" pra andar com elas. Obviamente a minha primeira reação foi ficar chateada, deprimida, chegar em casa e ir chorar escondida, essas coisas, mas depois de um tempo - com é o meu normal - enchi o saco e resolvi dar um jeito na situação: eu ia virar aquele jogo.

Coloquei na cabeça que eu ia ser a melhor da aula: elas iam ter que vir me pedir ajuda em dia de prova, iam ter que vir pedir pra ficar no meu grupo quando tivesse trabalho pra fazer. Done. Consegui.

Entrei pro ballet, que na época era o máximo dos máximos em termos de atividades fora da escola. Done. E não fiquei por aí: fui pro corpo de baile, fui solista, fiz turnê pelo Brasil. (Detalhe: entrei no ballet também porque gostava, e fiquei porque AMAVA aquilo, não por causa das "outras"). Entrei também pro grupo de ginástica olímpica do Assis Brasil (e depois quando fui pro Pelotense continuei - é de lá que conheço o João Bachilli, diretor do Tholl, que na época treinava com a gente). Foi um santo remédio pra minha "popularidade". :)

Com isso, aos olhos da "turminha" aquela, eu agora era cool, valia a pena andar comigo, e então elas começaram a vir atrás de mim e me procurar. Eu tinha conseguido.

Como não sou uma pessoa vingativa, não desprezei as pestinhas como elas tinham feito comigo, mas também não fiz questão de ser amiga delas, apenas fui diplomaticamente educada quando vinham atrás de mim. Fiz questão, isso sim, de ficar amiga de pessoas que eu achava legais mais que eram, assim como eu tinha sido, "excluídas", e tenho orgulho de dizer que essas pessoas foram os/as melhores amigos/as que alguém pode ter, e muitos/as estão do meu lado até hoje, e são como irmãos/ãs pra mim.

Não contei isso tudo pra me fazer de coitadinha e nem pra contar uma história tipo novela ("Oh, veja tudo por que ela passou e como ela superou as dificuldades"). Não. Se estou contando tudo isso aqui e agora é pra quem estiver lendo entender que isso tudo me fez como sou, pra saber de onde eu saí ou, como diria o meu irmão, "como deu nisso aí". ;)

A gente passa por poucas e boas na vida, mas isso tudo é que faz a gente a pessoa que a gente é. Tudo contribui, mas acho que as quedas, as humilhações, muitas vezes são o que nos faz fortes. A gente tira muitas lições delas. E é aqui que entra uma parte de uma música que adoro - à propósito, o título do post - que diz:
Most of us will fall down until they've reached their knees
But we make the best of it
É isso aí, babe: we make the best of it.